A Teoria
A descoberta da supercondutividade
A supercondutividade foi descoberta há cerca de um século. Em 1911, H. Kamerlingh Onnes observou que a resistência eléctrica do mercúrio desaparece à temperatura do hélio líquido e chamou ao fenómeno supercondutividade (Prémio Nobel da Física de 1913). Onnes mostrou ainda que no estado supercondutor, a corrente persiste indefinidamente depois de desligado o campo eléctrico, o que implica uma resistência eléctrica nula.
A supercondutividade é o desaparecimento total da resistência eléctrica de um material, abaixo de uma temperatura crítica, geralmente baixa, e característica do material.
O que é a resistência eléctrica
Na condução de corrente ‘normal’, os portadores de electricidade são os electrões livres dos metais (cerca de 10²³ por cada cm³ de metal). Em equilíbrio e na ausência de campo eléctrico, o movimento dos electrões é aleatório e há em média tantos electrões a deslocar-se num determinado sentido como no sentido oposto, pelo que não há corrente.
Resistividade da prata em função da temperatura.
Quando um campo eléctrico é aplicado, esta simetria é quebrada e o excesso de electrões num dos sentidos constitui a corrente eléctrica. As vibrações térmicas dos iões da rede cristalina dispersam estes electrões em todas as direcções, o que se manifesta globalmente como uma resistência ao transporte dos electrões que limita o fluxo de carga quando o campo eléctrico está ligado e anula a corrente eléctrica logo que este é desligado.
Agitação térmica.
Influência da agitação térmica na resistência dos condutores a altas temperaturas (esquerda) e a baixas temperaturas (direita).
Quanto mais baixa for a temperatura, menores são as vibrações térmicas e, por isso, a resistência diminui à medida que a temperatura diminui. Mas esta variação é suave e, idealmente, a resistência devia desaparecer apenas no zero absoluto, onde toda a agitação térmica pára. Mesmo isto é apenas verdade para cristais perfeitos, porque os cristais reais têm imperfeições ou defeitos (impurezas, sítios vazios, átomos no sítio errado) que contribuem para a resistência eléctrica, independentemente das vibrações térmicas, e esta contribuição não desaparece quando T = 0 K.
Os supercondutores têm resistência eléctrica nula
Contudo, Onnes notou que o mercúrio perde toda a resistência abaixo de 4.2 K. A esta temperatura, ainda há agitação térmica e, claro, (quase todos) os defeitos da rede. Nem as vibrações térmicas, nem os defeitos parecem ter qualquer efeito na condução dos electrões no mercúrio abaixo de 4.2 K. Portanto, o que está em jogo na ‘supercondução’ é um mecanismo novo e diferente do que acabámos de descrever.
Supercondutividade do mercúrio a baixas temperaturas.
Outros supercondutores
O mercúrio não é o único material supercondutor, mesmo a baixas temperaturas. A supercondutividade foi descoberta em muitos outros metais, abaixo de 10 K, como o alumínio, o chumbo, o estrôncio, o zinco e o cádmio, mas a lista não termina aqui...
Em 1981 foram descobertos compostos orgânicos que são supercondutores a baixas temperaturas, para não falar (ainda) da descoberta em 1986 de uma nova classe de materiais supercondutores a "altas" temperaturas: Os materiais cerâmicos, que como a porcelana, normalmente são isolantes... Salvo algumas excepções!
Temperatura crítica versus ano da descoberta para vários materiais supercondutores
O supercondutor não é apenas um condutor perfeito. É também caracterizado pela expulsão de campos magnéticos estáticos do seu interior, um fenómeno conhecido como efeito de Meissner.
Consideremos um supercondutor. Acima da temperatura crítica o metal (não magnético) comporta-se como o vácuo e as linhas de força do campo magnético atravessam-no sem sofrerem alterações, cf. figura da direita.
Abaixo da temperatura crítica o campo magnético é expelido do interior do supercondutor, cf. figura da esquerda. O processo é reversível: se aquecermos o supercondutor acima da temperatura crítica, as linhas de força magnéticas voltam a atravessar o metal.
O efeito de Meissner explica-se facilmente com base no fenómeno das correntes induzidas na presença de um campo magnético, cf. figura da direita. Quando a temperatura desce abaixo da temperatura crítica (Tc), são geradas supercorrentes persistentes que produzem um campo magnético tal que o campo externo é anulado no interior do supercondutor.
Contudo, a expulsão do fluxo só é total nos supercondutores homogéneos, conhecidos por supercondutores do tipo I. Para verificar se um supercondutor é deste tipo, o material é arrefecido abaixo de Tc, em repouso, na presença de um campo magnético externo (gerado por um electroíman). Ao desligar o campo externo, a lei de Lenz e a resistência nula implicam o estabelecimento de uma supercorrente induzida que contraria exactamente a variação deste campo. Se ao aproximar uma bússola esta não for desviada, a corrente induzida quando se desligou o campo anulou a corrente responsável pela expulsão e o material é do tipo I.

O efeito de Meissner dá origem à repulsão entre os supercondutores e ímans permanentes. As correntes que cancelam o campo exterior criam um campo magnético que é uma imagem de espelho do do íman e que a distâncias curtas pode ser suficiente para equilibrar o seu peso. A forma mais impressionante de o mostrar, e a sua imagem de marca, é a levitação de um supercondutor num campo magnético como mostra o vídeo (source).
O que torna um metal supercondutor?

A ausência de resistência eléctrica dos supercondutores sugere um mecanismo do tipo condensação de Bose-Einstein. Mas os electrões têm spin semi-inteiro e obedecem à estatística de Fermi-Dirac, que é radicalmente diferente da estatística de Bose-Einstein. Uma tentativa de explicar a condensação de electrões considera a formação de pares de partículas. O spin de um par de electrões ligados é dado pela soma dos spins individuais –um número inteiro– e estes pares obedecem à estatística de Bose-Einstein.
Mas como podem dois electrões que se repelem, através da interacção de Coulomb, formar um par ligado?
É necessário que exista uma atracção entre os electrões e isso não acontece para electrões livres. Contudo, no metal os electrões estão confinados e interagem com os iões positivos da rede cristalina. Esta interacção é atractiva e dois electrões podem atrair-se na presença da rede polarizável (deformável). O mecanismo é o seguinte: Um electrão atrai os iões na sua vizinhança. Os iões respondem movendo-se ligeiramente na direcção do electrão criando um excesso de carga positiva à volta deste. Um segundo electrão é agora atraído pela polarização localizada à volta do primeiro electrão e desta forma os electrões sentem uma atracção efectiva. O que cada electrão vê não é a carga negativa do outro, mas a carga positiva devida à deformação da rede que ele provoca. O efeito é muito parecido ao que acontece se colocarmos dois berlindes num lenço mal esticado e em termos técnicos dizemos que a atracção electrónica é mediada por fonões (vibrações da rede). Uma analogia usada frequentemente para este acoplamento é a do colchão mole, onde duas pessoas rolam para o centro, não devido a uma atracção mútua, mas forçadas pela flacidez do colchão!
L. N. Cooper mostrou que dois destes electrões, na presença de todos os outros, se ligam com spins opostos e formam um par com spin zero (par de Cooper). O problema de muitos corpos (todos os electrões) foi finalmente resolvido por J. Bardeen, L. N. Cooper e J. R. Schrieffer, quase meio século depois da descoberta da supercondutividade. A teoria microscópica mostrou que a supercondutividade se baseia no facto de electrões com spins opostos adquirirem fortes correlações que os fazem entrar num estado coerente, insensível às pequenas perturbações da rede, do qual resulta a ausência de resistência eléctrica. A transição para o estado supercondutor é semelhante à condensação de Bose-Einstein. A teoria é conhecida por teoria BCS e os seus autores foram galardoados com o Prémio Nobel da Física em 1972.
Alguns exemplos
Os chamados supercondutores de altas temperaturas foram descobertos por G. Bednorz e A. Müller em 1986, num material cerâmico constituído por óxido de lantânio-bário-cobre. A temperatura crítica deste novo supercondutor rondava os 35 K e esta descoberta deu início à era dos supercondutores de altas temperaturas (Prémio Nobel da Física em 1987). Rapidamente novos materiais cerâmicos foram sintetizados com temperaturas críticas que ultrapassam os 77 K (temperatura de liquefacção do azoto).
As aplicações dos supercondutores na construção de ímans supercondutores são comuns. Ímans supercondutores capazes de criar campos magnéticos muito intensos são usados na técnica de imagem por ressonância magnética (MRI), em medicina, a qual permite a obtenção de imagens dos tecidos moles com resolução bastante superior à dos tradicionais raios X. Os ímans supercondutores são igualmente usados na investigação da estrutura de moléculas complicadas através da ressonância magnética nuclear (NMR) ou no confinamento de plasmas no âmbito do reactor de fusão.
A descoberta dos supercondutores de alta temperatura, contudo, torna viáveis aplicações da supercondutividade em larga escala: cabos supercondutores e comboios levitados magneticamente cf. vídeo (source) podem ser uma realidade num futuro próximo.


Fonte: https://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo3/modulo3/topico1.php